Poesia na Escuta
- projetoescutaufmg
- 22 de mar. de 2021
- 1 min de leitura
O TEMPO DAS ESTAÇÕES E AS ESTAÇÕES DA VIDA
Carlos Drummond de Andrade
– Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando
vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:
– Não vês? Começo a outonear. É 21 de março, data em que as
folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de
árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
– E vais outoneando sozinha?
– Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como
deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de
primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga
pela madrugada, uma suspeita de inverno.
– Somos todos assim.
– Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e
exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é
exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos
colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se
dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da
natureza.
– Não me entristeças.
– Não, querido, sou tua árvore da guarda e simbolizo teu outono
pessoal. Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O
dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor.
As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa
de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-
te com dignidade, meu velho.
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